segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Dança

Dança de cada um

A escola como organismo vivo tem um ritimo dançante bastante curioso e rico. A entrada é uma preparação, um aquecimento para uma dança coletiva que dura um período do dia na escola.
Especialmente o período da tarde é bastante interessante. Os pequeninos chegam a passos pequenos com suas perninhas curtas. Chegam quase pendurados pelas mãos de seus guias, os responsáveis, que podem ser pai, mãe, irmãos, avô e avó. Estes cada vez mais frequentes.
Há os que chegam de carona e, de longe vendo a movimentação dos colegas na rua, numa espécie de concentração, já ficam impacientes dentro do carro. Ao sair, faz em segundos um contorcionismo para saírem do foco e livrarem de seus guias. Com as mochilas presas às costas, como parte de seus corpos ou anjos que os olhará dali por diante.
Querem logo estar ali, pertencer àquela alegria colorida, barulhenta e coletiva e nem percebem o perigo ao saírem do carro correndo e atravessando a rua sem olhar para os lados.
Ali dentro começa a vida fora das vistas dos familiares e, vale com ou sem autorização deles começar as atitudes autônomas, experimentações de criança. Seus apoios são as mochilas. É o que têm de mais íntimo e que agora são suas dependentes e ou protetoras. As que têm rodinhas fazem uma dança paralela com seu dono até chegarem à fila depois à classe.
Os menores sobem as escadas equilibrando-se com as mochilas, o que tem de mais íntimo até a saída. Os maiores já meio que independentes entram com os colegas, amigos afins seus interesses e formas próprias de serem notados.
Dentro das salas há um controle por parte dos professores e os maiores já estão empurrando os limites estabelecidos por eles, ações de andarem e estarem levantando o tempo todo em sala como um jogo preparatório para a dança das cadeiras, de tanto que as arrastam. Quer de alguma forma chamar a atenção para si e, a dança dos cadernos ou livros na ponta do dedo ao olhar dos demais. O movimento desvia a atenção de todos para si deixando o professor a falar sozinho. Este é o primeiro a ser incomodado. É o que o adolescente quer, atenção nem que seja brigando alguém presta atenção em mim, sacou professor? - Parece querer dizer. Os colegas parecem querer medir o tempo que o colega consegue com aquele ballet em um dedo só.
Também nas salas os professores riscam as passadas das danças das mãos a segurarem o lápis. Todos numa dança coletiva a registrar o saber em passos caligráficos de conhecimento. Com mais ou menos coordenação motora e isso depende do limite ou tempo de cada um.
Vem o recreio e a fila da merenda é um trajeto lento, como o ensaio para uma dança a ser realizada. Após alimentarem-se cada grupo procura seu canto predileto no pátio. Os menores sentam-se em uma roda e fazem uma espécie de piquenique onde comem seus lanches trazidos de casa, conversam e brincam até que dê a hora de voltarem para as suas salas.
Os grupos têm ações que é uma dança combinada e imprevisível ao mesmo tempo. Enquanto uns saem a caminhar, em seu espaço e ritimo procuram no pátio o seu lugar, geralmente próximo à sala de aula.
Noutro ponto, duplas sentam-se para o bafinho, uma dança pulada de mãos, de frente um para o outro, num jogo espelhado alternando o parceiro e com estratégias pessoais para ver quem arrebanha mais cartas do outro. Mesmo quando as mãos já não fecham de tanta carta conquistada. Esse é um jogo masculino.
Há os meninos que correm num pique desenfreado.
Para uma disputa de concentração e desafio à rapidez do parceiro há o “trissilomelo”, jogo de aproximação dos sexos. Onde um de frente para o outro batem palmas na mão do outro em um ritimo acelerado ao mesmo tempo vão repetindo monossílabos combinados entre eles. Acontecem entre colegas de ambos os sexos, mais comum entre meninas.
O toque, o contato mais íntimo, nessa dança dentro da escola, nesse horário não é comum. Somente as topadas, correm muito brincando de pique e, na correria trombam e machucam-se, confrontam a lei da física que diz: ‘dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço’.
A biblioteca, localizada no meio do fervo, no centro da escola, é o espaço para todas as idades e gostos pessoais durante o recreio. Nela são olhos bailando por páginas de histórias começadas ou não no dia anterior. Os iniciantes aparecem pelo simples toque dos dedinhos a deslizar por folhas coloridas e cheias de imagens que os leva a sonhar com o que pode ter ali de tão mágico, afinal todas as histórias ouvidas estão em algum lugar registradas, mas tem que ser com pressa, pois, o tempo agora corre e eles têm que chegar ao fim da história começada antes do último sinal para a volta a sala.
Lá fora raramente tem a dança da atração entre os maiores. Uma roda de meninos joga uma bola de folhas de caderno amassadas e vez ou outra passa a menina já com o despertar da paquera e dá uma olhadinha para o menino que ainda têm a bolinha de papel como foco. Ela continua a passear pelo pátio de braços dados com outras. Os olhares cruzam com os colegas e até quem sabe paqueras. Os rizinhos são afirmativas, confirmação da paquera, do interesse mútuo que daqui a pouco se perde com uma brincadeira inventada logo ali na frente. Nesse período, as ficadinhas ainda não acontecem.
De volta às classes a dança das mãos prossegue e o esgotamento de alunos e professores após o recreio é nítido. Atividades que exigem mais esforços não são para esse horário. Os alunos que insistem na dança da preguiça, de não quero nada com isso, não esperam outra coisa. Que venha o término do período.
Ao final do dia, a saída é apressada. É um misto de saudade que os pequeninos sentem dos pais, de casa e ansiedade em contar as novidades que aprendeu. Que loucura é chegar até o portão da saída. Aquelas perninhas curtas da entrada agora correm para a mão do guia que espera lá fora e tem o papel de diminuir o ritimo que veio de dentro. Os carros a espera com as portas fechadas são a parada obrigatória para voltar aos bancos de trás.
Como na entrada há os que saem a passos lentos, como que arrastando o cansaço da dança de todo o dia que se finda nesse salão de baile com danças diversas, a escola. Saem em duplas, aglomerados, grupos agora os toques acontecem com intensidade, sutileza, equilíbrio, aprendizado e entrosamento prazeroso para todos.
Assim é o ritimo dançado no dia a dia da escola.

Isabel de Lourdes Duque Deodato.
16.05.2010.

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